Da entrevista de Johan Giesecke ao Público

Johan Giesecke, epidemiologista e consultor da DGS sueca para o evento da Covid-19, deu uma muitíssimo interessante - ainda que curta - entrevista ao Público (link).
Antes, porém, queria frisar o quão notável é a insularidade do caso sueco no Mundo. O Reino Unido adoptou inicialmente esta abordagem, mas abandonou-a após um estudo do Imperial College que antecipava 250 mil mortes nas ilhas. Há depois o caso brasileiro, mas esse é... complicado de classificar. Quanto ao mais, e apesar de óbvias e necessárias cambiantes, há uma opção global (globalizada) pelo confinamento. E quanto mais cedo e mais à bruta, melhor. É, aliás, impressionante a influência e o poder desta doença na acção política nos cinco continentes: os exemplos de países que decretaram severas medidas de confinamento e controlo social de forma muito precoce são imensos - alguns, diga-se, plenos de criatividade. Casos há em que fica até a impressão de apenas ambicionarem aderir à trend lançada pelos países industrializados, numa espécie de convergência civilizacional DIY, por mimetismo político. Por outro lado, este vírus é o pretexto óptimo para o exercício dos poderes. Não é por nada que Giesecke afirma que "a maior ameaça desta epidemia é os países ficarem menos democráticos". Isto mesmo se nota no quadro português, se bem que inversamente àquilo que seria de imaginar: até aqui, têm sido as instituições democráticas a refrear e bloquear os possíveis excessos na restrição de direitos fundamentais e no controlo social veiculados pelos media e desejados por grandes bolsas da opinião pública.
Mas sobre a entrevista. A ideia-chave que fica de Giesecke é esta: com os processos de desconfinamento, todos os países vão, de certa forma, reproduzir a, ou passar pela, experiência sueca. Com uma diferença essencial: nenhum país europeu tinha um plano de desconfinamento quando decidiu pelo confinamento. Isto resultará, necessariamente, em avanços e recuos e num prolongar de uma situação que afecta a totalidade dos sectores sociais. Hoje mesmo ouvi na rádio nota à suspensão da terapia aos sobreviventes de ataque cardíaco durante estas semanas de confinamento domiciliário e no (demasiado) lento retomar das consultas e tratamentos. Para lá da hecatombe económica, este cenário de secundarização efectiva face à Covid-19 é generalizado e tornar-se-á gradualmente mais visível e dramático.
Giesecke sublinha o carácter não-científico da globalidade das medidas que foram e vão sendo tomadas, deixando um ponto-de-interrogação quanto à sua eficácia real. Lembremo-nos do tanto que se foi (e vai ainda) falando quanto ao fecho de fronteiras, ao controlo da temperatura corporal, ao uso de máscara individual - e reflictamos sobre a efectiva eficácia destas medidas auto-explicativas.
Logo no início da entrevista, a jornalista questiona Giesecke sobre a aplicabilidade daquela estratégia nos países do Sul, supostamente mais calorosos e afectivos e tácteis que os do Norte. As respostas do médico sueco meio que caem ao lado do preconceito implícito nas questões, o que é, por si só, curioso. Seja como for, já era altura de derrubar mais estes dois preconceitos: o de que os portugueses, enquanto "povo do Sul", é muito dado a abraços e festas; e o de que os suecos, como os alemães e outros, enquanto "povos do Norte", são frios e distantes. Nada disto adere à realidade e é portanto simplesmente inoperante continuar a dar uso a esta mundividência.
Termino com referência a esta frase de Giesecke: "a ideia principal por trás da estratégia sueca é que as pessoas não são estúpidas". Pois qualquer cínico diria, de jacto - Ora aí tens porque aquilo jamais resultaria cá! Mas eu não sou cínico e, desde Cipolla e o seu notável "Leis Fundamentais da Estupidez Humana", prezo demasiado o conceito de «estúpido» para o usar neste sentido lato e ordinário.
Resta-nos aguardar os próximos tempos para verificar as previsões de Giesecke.

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