Sobre o uso de máscara

E eis que o uso de máscara se massificou. Aqui na terra, quase não há quem não ande com uma mesmo a conduzir ou a caminhar na rua, ao ar-livre. E diz mesmo na lei - Use máscara, senão...
A ideia de protecção associada ao uso de máscara é muito linear. É uma daquelas coisas que, na aparência, se explicam por si próprias. Mas que dizem a DGS e a OMS?
Comecemos por esta última. Até há cerca de semana e meia, podíamos ler isto no seu website:


Dizia-se claramente que o uso de máscara devia ficar reservado aos casos de pessoas infectadas ou de pessoas que estivessem a cuidar de pessoas infectadas. A isto se contrapunha o princípio do desperdício de um recurso que não era (como ainda não é) ilimitado e que não podia faltar a quem verdadeiramente dele precisasse. Alertavam ainda para o mau uso de máscaras, comportamento que, inversamente, aumenta o risco de contágio. E terminavam dizendo que as formas mais eficazes de protecção do próprio e dos outros eram, como sempre foram, a lavagem frequente das mãos, a etiqueta respiratória e o distanciamento social - de um (1) metro, já agora.
Isto em resposta à questão - "Devo usar máscara para me proteger?". Já sobre a questão relativa à possibilidade de transmissão aérea da Covid-19, era isto que se lia:


O sublinhado a negrito fala por si: as gotículas libertadas pela tosse, espirros ou fala são demasiado pesadas e rapidamente caem.
Mas isto era o que a OMS dizia. Hoje, a sua página de Q&A (link) já não tem estas duas perguntas/respostas. Ok, é normal, o conhecimento evoluiu e perceberam que estavam errados - que o uso de máscara se recomenda e que as gotículas com o vírus da Covid-19 flutuam como se via naquele modelo 3D que uns cientistas da Finlândia (?) desenvolveram. Podia ter sido isso. Mas não. Percorrendo todas as perguntas e respostas da página, não encontramos nenhuma nota em nenhum desses sentidos. Sobre as formas conhecidas de contágio e propagação, nada de novo. Sobre as melhores formas de controlo do contágio e da propagação, nada de novo. Há uma questão sobre o uso correcto de máscara onde novamente se alerta para a escassez mundial deste recurso, que, se desperdiçado, faltará àqueles que verdadeiramente necessitam. E acrescentam que as máscaras não são um substituto de outros, mais eficazes, meios de protecção individual e colectiva.


À pergunta "A OMS recomenda o uso de máscaras cirúrgicas para prevenir a difusão da Covid-19?", a resposta é «Sim», mas para três casos apenas: pessoal médico, doentes infectados, cuidadores de doentes infectados. Reforça-se a ideia anterior.
É também dito que não há, nesta altura, evidência a favor ou contra o uso de máscaras por indivíduos saudáveis na comunidade, mas que a OMS se mantém activa e atenta a qualquer evolução do conhecimento neste particular. Ah, então ainda podem vir a chegar à conclusão que a máscara deve ser usada por toda a gente a toda a hora. Talvez. Temos de aguardar. Mas vejamos, entretanto, o que diz a DGS a este propósito, seguindo até a orientação da própria OMS de seguir o conselho das autoridades de Saúde nacionais quanto ao uso de máscaras (última linha do screenshot acima):


Mais taxativo era impossível: "Não está indicado o uso de máscara para proteção individual", "A Direcção-Geral de Saúde não recomenda o uso de máscara de proteção para pessoas que não apresentem sintomas", "O uso de máscara de forma incorreta pode aumentar o risco de infeção".
Aquilo a que se assiste é, com enorme frequência, a um uso incorrecto da máscara, exactamente aquilo para que a DGS alerta (desde sempre, sublinhe-se). Já começa a ser típico andar com a máscara no queixo, por exemplo. É realmente a forma mais prática de beber café ou fumar sem a tirar das orelhas. Isso ou soltar só uma das orelhas e tê-la ali ao pendurico. Ou transportá-la dentro de uma mala e recolocá-la sem qualquer precaução adicional, como a lavagem das mãos. Ou ainda guardá-las (as da família toda) no carro, penduradas todas juntinhas no retrovisor, e andar ali com elas dias a fio.
Além disso, como nota a DGS, o uso de máscara pode ser (muito) desconfortável; quem a usa, tem tendência a ajeitá-la constantemente, levando assim as mãos à cara inúmeras vezes - tantas quantas aquelas que não levaria caso não usasse máscara.
Finalmente, sobre o uso nos transportes. Relembre-se que quem não usar máscara nos transportes públicos pode ser impedido de os usar e fica sujeito a multa avultada.


Isto é o que consta na página "Perguntas Frequentes" do website específico para a Covid-19 da DGS (link). A DGS e a OMS estão, portanto, perfeitamente alinhadas neste particular. Ambas reforçam que o uso de máscaras deve reservar-se aos doentes já infectados e aos cuidadores (profissionais ou não) dessas pessoas. Ambas reforçam que as formas mais eficazes de protecção individual e comunitária são a higienização atenta das mãos, a etiqueta respiratória e o distanciamento social (de um metro). Ambas alertam para os riscos do uso de máscaras, seja pelo uso incorrecto (que aumenta o risco de contágio e propagação do vírus), seja pelo risco de esgotar um recurso inutilmente.

Do ponto de vista político, o uso de máscaras maciço a que hoje assistimos é, em primeiro lugar, uma imposição que foi emanando de uma certa vox pop e, em segundo lugar, uma decisão eminentemente política (por oposição a «técnica» ou «científica») - por um lado, para acomodar e neutralizar essa imposição popular; por outro, para dar (mais) uma prova de vida. Nenhum Governo pode correr o risco de, numa altura destas, ficar quieto, mesmo que isso seja o mais recomendado. Tudo muito democrático, há que o reconhecer.
Já do ponto de vista etno-estético-sociológico, o uso de máscara assume-se, enfim, como um ritual, no sentido mais supersticioso do termo. A máscara, como se observa em tantas tribos e tradições, é o objecto cerimonial primordial deste novo culto.

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