Lista de Bardamerdas a Abater em Nome do Sacrossanto e Indefectível Bom-Senso: 2ª entrada

2.º Réu: Mário "O Superpolícia" Mendes, idade indeterminada, Secretário-geral do Sistema de Segurança Interna.
Chamado a responder pelo acidente de viação ocorrido na Avenida da Liberdade, Lisboa, no passado dia 27 de Novembro de 2009, que envolveu uma segunda viatura de centenas de milhares de euros além daquela tripulada a mando do verdugo ora julgado, propriedade - a tal segunda viatura, bem entendido - da Assembleia da República. Apurou-se que os veículos circulavam a 120 km/h na dita avenida, cuja velocidade máxima autorizada ao cidadão anónimo se fixa, como é sabido, nos 50 km/h, e que não respeitaram um sinal vermelho.
Deu-se portanto o choque entre os dois potentes carros e só por real acção divina se confinou o número de vítimas dele resultante ao número de ocupantes das duas viaturas, não se tendo (eis o milagre) alastrado o seu impacto aos transeuntes, não obstante, importa ressalvar, terem saído severamente machucados ambos os motoristas, os quais, como consensualmente concordaram os signatários ora presentes, e sem embargo serem eles, os motoristas, os efectivos praticantes do crime em julgamento, devem ser tomados como vítimas no que a esta triste peça diz respeito. A Acção Divina, porém, quiçá ocupada nesse bastante razoável milagre, não foi a tempo de dar as mãos à (pelos vistos) nem sempre certeira Morte, pelo que o réu, mesmo tendo passado treze dias em coma, acabou por resistir aos ferimentos, tendo de resto já retomado a sua abençoada actividade laboral no pretérito mês. Nem por isso desanimados por esse revés, os ora presentes signatários submeteram a interrogatório o acusado, salvaguardando sempre (claro) o seu ainda frágil estado de saúde, esse que, segundo fez saber o gabinete que (ainda) lidera, o tem forçado a um "esforço suplementar" na procura de soluções "que possam continuar a garantir a segurança e a tranquilidade públicas". 1 2 3
Questionado justamente acerca do crime que cometeu (na forma de responsável moral ou coisa que o valha) numa perspectiva de "garantia da segurança pública", o réu Mário Mendes optou por uma estratégia de vitimização de méritos duvidosos, perguntando, no tom mais indignado que foi capaz, quão "habitual" é serem os acidentes rodoviários envolvendo viaturas públicas sujeitos a participação no Ministério Público, numa vã tentativa de meter no mesmíssimo saco o seu comportamento estúpido e os mais corriqueiros embates automobilísticos. Ignorada (respeitosamente) a retórica gasta do acusado, prosseguiu-se a sessão, questionando o réu se concordava com a frase "Num Estado de Direito ninguém está acima da Lei e deve responder perante Ela", ao que o dito-cujo se limitou a esboçar um sinal de sobrancelha a quatro homens de óculos e gravatas escuros que fizera finca-pé que tudo presenciassem, os quais acto contínuo convidaram os então presentes signatários a dar por terminado o interrogatório agarrando-os eficaz e cordialmente pelos braços e pelas pernas e iniciando a evacuação da sala onde decorria a cavaqueira.
Impedidos portanto de prosseguir na recolha de mais declarações da parte do réu, mas nem por isso contrariados (uma vez que a decisão de inclusão na Lista não respeita qualquer alarvidade como "Direito de Defesa" ou similares), os ora presentes signatários, relembrando que o comportamento do réu, não fosse ele uma dessas sumidades oficiais sem as quais (citando Brecht) "o trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima", configuraria o que se designa de «crime-público», o que por sua vez inspiraria toda uma série de consequências de âmbito penal, relembrando ainda que este tipo de condução por parte das caras da Ordem é recorrente e tem sensivelmente a mesma utilidade que cagar de pé, relembrando finalmente que as viaturas assim desperdiçadas eram património do Estado, esse que é adquirido e mantido com o dinheiro dos contribuintes (não entrando contudo na equação as necessidades desses mesmos contribuintes, mas isso são outros vinte e cinco tostões), significando o dito desperdício qualquer coisa na ordem das dezenas de milhares de contos (na moeda não-europeia), os ora presentes signatários, dizíamos, não mais prolongam o actual documento, declarando sem outras delongas que Mário "O Superpolícia" Mendes, idade indeterminada, Secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, será incluído na Lista de Bardamerdas a Abater em Nome do Sacrossanto e Indefectível Bom-Senso.
Lido, ratificado e assinado.
Aos quatro dias do mês de Fevereiro do ano da graça de Dois Mil e Dez.

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