A mediação

A mediação é um fenómeno curioso. Ao que parece, uma vez saturado o mercado de trabalho, que tendencialmente se confina ao sector terciário e que remete (ou que vê remetido) o sector primário para a zona cinzenta dos manuais escolares, a imposição capitalista e humana de aumentar sempiternamente os lucros criou o contexto óptimo para que florescesse uma mediação cada vez mais omnipresente e poderosa, posto o que, gradual e inexoravelmente, vê-se o desempregado/assalariado dependente desta mesma mediação. Bem vistas as coisas, a mediação imobiliária das Re/max e das Era é só a face mais visível duma tendência muito mais abrangente, dum aproveitamento espertalhão de larga escala (ou será "empreendedor"?), ou, em certa medida, duma burocratização, que, tal como a Burocracia propriamente dita, muito facilmente se justifica numa sociedade sobrepovoada e vincadamente hierarquizada.
Ultimamente, tenho prestado especial atenção ao crescimento exponencial (15 a 20%/ano) das agências de recrutamento e de trabalho temporário (ou ETT, que, maquiavelicamente, até já têm um Provedor - Vitalino Canas!), as Vedior, as Randstad e afins. Actualmente, uma boa parte dos funcionários das TMN ou das Sonae são subcontratados a essas agências. Como não podia deixar de ser, o negócio convém a ambos os empregadores. Dum lado, a agência angaria e aluga a força de trabalho do desempregado, tendo custos associados baixíssimos e procura garantida por uma conjuntura onde o(s) Governo(s) não está(am) inocente(s). Do outro, a empresa, ainda que por um preço comparativamente maior (porque tem de pagar justamente a mediação), tem à disposição um empregado que, por estar contratualizado com outro patrão, pode ser descartado em dois tempos e não acarreta pagamento de impostos. Tudo isto tem um enquadramento legal, o que faz do(s) Governo(s) duplamente cúmplice(s). Ao mesmo tempo, o discurso de inevitabilidade da tutela e dos governantes tenta contrariar as evidências de que esta realidade é produto de uma estratégia bem planeada e importada. A mediação laboral anda de braço dado com a precariedade laboral, que, diz o JN, aumentou em 83% só na última década. Eis Portugal a acertar o passo com as grandes economias mundiais. O pano de fundo destas relações é o de sempre: o patrão tem a faca e o queijo na mão; o desempregado/assalariado tem que se sujeitar, até por imperativos de sobrevivência. Pessoalmente, desde os 15 anos que sinto isto na pele. Mas foi aos 17 que aquilo que já antes sentia se clarificou e sistematizou. A filosofia da Pull&Bear filou-me com a sua invencibilidade: "se não queres, tudo bem, num instantinho metemos cá outra pessoa no teu lugar".

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