"Contra o fim do trabalho"

Dominique Schnapper, em 1997: "o cidadão moderno adquire a sua dignidade trabalhando". Ainda Schnapper: "É preciso não pensar contra o trabalho - é utópico e, portanto, não ajuda ninguém (...)". E mais: "Na nossa tradição, o Homem realiza-se por si próprio e exprime a sua plena humanidade através do trabalho".
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Não sei o que pensar.
Por um lado, o seu discurso é terrivelmente realista. Com efeito, pensar a sociedade ocidental sem trabalho é praticamente impossível. A sua força normativa, sobretudo, é central na nossa organização social. E, fatalmente, apresenta-se como o melhor sistema de distribuição de riqueza.
Por outro lado, ou ao mesmo tempo, se é utópico pensar contra o trabalho, falar no trabalho enquanto meio para a dignidade humana é evidentemente irreal, senão demagógico. Além disso, a dupla dimensão a ele atribuída de cidadania-produtivismo tem muitas vezes uma concretização prática diametralmente oposta, constituindo justamente o trabalho - o tipo, o estatuto atribuído, os horários, a pressão, a remuneração, ... - um fortíssimo obstáculo a essa mesma cidadania; bem como que esse produtivismo é em regra escoado e dirigido para os interesses privados e não para o desenvolvimento social geral.
Não sei, também, o que sentir.

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